quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Humildade Evangélica


            Como é bom quando nos deixamos conduzir por algo novo. Um aprendizado, uma fala, um livro, um gesto que nos toca e faz refletir sobre a nossa existência e sobre o que pensamos. Lendo um texto sobre “Humildade Evangélica”, uma reflexão de Raniero Cantalamessa comentando sobre um texto da Sagrada Escritura de Lucas 14, 1.7-14, eu fiquei maravilhado com seu escrito e partilho com vocês. Diz ele assim:

            A Palavra de Deus gravita em torno dessa frase do Evangelho: todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humilhar será exaltado!” Este ensinamento evangélico traduz-se em imagens concretas na parábola evangélica dos lugares à mesa. Jesus não está dando uma norma de boa educação eu etiqueta social. Para Jesus se trata do banquete escatológico. Entre a escolha do lugar por parte dos convidados e a intervenção do dono da casa que exige ir adiante ou recuar esta no meio o salto desta vida para a outra, esta no meio o juízo universal. É uma relação entre o homem e Deus.

            Jesus conclui a parábola: “Porque todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo aquele que se humilhar será exaltado”. O que significa humilhar-se? Se fosse perguntar a alguns cristãos, teríamos talvez muitas respostas diferentes: um marido diria: não ser prepotente em casa. Uma moça diria não ser vaidosa, um sacerdote dirá que se humilhar seria sentir e falar discretamente de si.

            Para descobrir o que é a verdadeira humildade é preciso, como sempre, perguntar a Jesus. Jesus diz: recebei a minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração (Mt 11,29). Onde se encontra a humildade de Jesus? O que Jesus fez para ser humilde? Jesus se abaixou, desceu: não com palavras, ou com os sentimentos, mas com os fatos. Começou quando, encontrando-se na condição divina, não considerou sua igualdade com Deus como um tesouro a ser conservado ciosamente, humilhou-se e foi obediente até a morte (Ef 2, 6-8). Durante a vida, depois, foi sempre coerente com esta escolha: Ele, o Mestre, abaixa-se para lavar os pés dos discípulos, comporta-se como aquele que serve; desce, desce, desce até que – tendo chegado ao ponto mais baixo, no túmulo – chega o Pai para o apanhar, o eleva acima dos céus e o estabelece chefe do universo, colocando tudo sob os seus pés. Eis como Deus mesmo realizou a sua Palavra: aquele que se humilhar será elevado. Doravante, ser humilde significa algo muito simples: Ter os mesmos sentimentos de Jesus (Fl 2,5), comportando-se como Jesus se comportou.

            A humildade é antes de tudo uma questão de fatos, de escolhas, de atitudes concretas, não uma maneira de sentir e de falar de si. Humildade é disponibilidade a descer de nós mesmos, abaixar-se para os irmãos, é vontade de servir, e de servir por amor, não por algum cálculo ou vantagem ou glória que possam advir para nós mesmos. Em nós raramente ou nunca a humildade alcança esta forma pura, geralmente ela é remédio, reação ao orgulho, antídoto ao pecado. Em nós, portanto, a humildade é também uma virtude “negativa”, porque serve para “renegar” e a encobrir o que há de errado em nós, ela comporta necessariamente admissão e confissão de pecado, diversamente do que aconteceu com Jesus. Em nós, portanto, a humildade apresenta aspectos de negação ou de despojamento, mas esses aspetos são secundários e são devidos ao pecado. A humildade essencial é a que encontramos em Jesus. A humildade em estado puro é o que se observa em Deus, na Trindade. Deus é humildade! Deus é humilde porque da posição em que se encontra não pode fazer outra coisa a não ser abaixar-se, descer; subir não pode, porque nada há acima dele! Cada vez que Deus sai de si mesmo, faz algo ad extra e se dirige ao homem faz um ato de humildade: a criação é um ato de humildade, a inspiração da Escritura, acomodar-se a linguagem humana, é um ato de humildade, Pentecostes – a “descida” do Espírito – é um ato de humildade. Cada vez que Deus vem a nós e nos visita com sua graça e ele se torna condescendente e faz atos de humildade. A água é, então, o melhor símbolo de humildade porque, da posição em que esta, tende sempre a ir para baixo, descer, ocupar o lugar mais baixo.

            Deus é humildade: realmente esta é uma das definições mais felizes de Deus. Mas então descobrimos talvez o último fundamento da humildade, o “porquê” de ser necessário se humilhar: é para ser “filhos do vosso Pai”, como dizia Jesus, é para se assemelhar a Deus, para “aprender” do Pai, como se costuma dizer entre os homens dos filhos. Em outras palavras, para que sua vida possa correr em nós e não outra.

            Agora podemos nos colocar, de outro ponto de vista, a pergunta: o que é a humildade? Ela é uma atitude para consigo mesmo e com os outros ou é uma atitude em relação a Deus? A resposta é a seguinte: uma e outra coisa junto! Aqui se descobre uma vez mais a insuspeita parentela entre a humildade e caridade: também a caridade, ou o amor, realiza-se em dos mandamentos estritamente unidos, como duas portas que se abrem e se fecham junto: amar a Deus com todo coração e amar o próximo como a si mesmos. O mesmo acontece com a humildade: a primeira humildade é ser humilde diante de Deus, a segunda é semelhante a esta e é ser humilde com o próximo.

            Um fruto da humildade é que o humilde é “amado pelo homem e agradável a Deus”. A humildade nos torna amáveis também aos homens. As pessoas gostam de quem é humilde, modesto, simples, desinteressado. A humildade desarma as pessoas. Os homens não compreendem a humildade, porém institivamente compreendem e amam quem é humilde, modesto, simples e desinteressado. A humildade desarma; a melhor autodefesa não vale tanto quanto o menor ato de humildade.

            O Salmo 130 canta a paz do humilde: Senhor, meu coração não se enche de orgulho, meu olhar não se levanta arrogante. Não procuro grandezas, nem coisas superiores a mim. Ao contrário, mantenho a calma e sossego a minha alma, tal uma criança no seio materno, assim esta minha alma em mim mesmo. Israel, põe tua esperança no Senhor, agora e para sempre.

 

“O verbo se faz carne", Raniero Cantalamessa.