Como
é bom quando nos deixamos conduzir por algo novo. Um aprendizado, uma fala, um
livro, um gesto que nos toca e faz refletir sobre a nossa existência e sobre o
que pensamos. Lendo um texto sobre “Humildade Evangélica”, uma reflexão de
Raniero Cantalamessa comentando sobre um texto da Sagrada Escritura de Lucas 14,
1.7-14, eu fiquei maravilhado com seu escrito e partilho com vocês. Diz ele
assim:
A Palavra de Deus gravita em torno
dessa frase do Evangelho: todo aquele que se exaltar será humilhado, e todo
aquele que se humilhar será exaltado!” Este ensinamento evangélico traduz-se em
imagens concretas na parábola evangélica dos lugares à mesa. Jesus não está
dando uma norma de boa educação eu etiqueta social. Para Jesus se trata do
banquete escatológico. Entre a escolha do lugar por parte dos convidados e a
intervenção do dono da casa que exige ir adiante ou recuar esta no meio o salto
desta vida para a outra, esta no meio o juízo universal. É uma relação entre o
homem e Deus.
Jesus conclui a parábola: “Porque todo aquele que se exaltar será
humilhado, e todo aquele que se humilhar será exaltado”. O que significa
humilhar-se? Se fosse perguntar a alguns cristãos, teríamos talvez muitas
respostas diferentes: um marido diria: não ser prepotente em casa. Uma moça
diria não ser vaidosa, um sacerdote dirá que se humilhar seria sentir e falar
discretamente de si.
Para descobrir o que é a verdadeira
humildade é preciso, como sempre, perguntar a Jesus. Jesus diz: recebei a minha doutrina, porque eu sou manso
e humilde de coração (Mt 11,29). Onde se encontra a humildade de Jesus? O
que Jesus fez para ser humilde? Jesus se abaixou, desceu: não com palavras, ou
com os sentimentos, mas com os fatos. Começou quando, encontrando-se na
condição divina, não considerou sua igualdade com Deus como um tesouro a ser
conservado ciosamente, humilhou-se e foi obediente até a morte (Ef 2, 6-8).
Durante a vida, depois, foi sempre coerente com esta escolha: Ele, o Mestre,
abaixa-se para lavar os pés dos discípulos, comporta-se como aquele que serve;
desce, desce, desce até que – tendo chegado ao ponto mais baixo, no túmulo –
chega o Pai para o apanhar, o eleva acima dos céus e o estabelece chefe do
universo, colocando tudo sob os seus pés. Eis como Deus mesmo realizou a sua
Palavra: aquele que se humilhar será elevado. Doravante, ser humilde significa
algo muito simples: Ter os mesmos sentimentos de Jesus (Fl 2,5), comportando-se
como Jesus se comportou.
A humildade é antes de tudo uma
questão de fatos, de escolhas, de atitudes concretas, não uma maneira de sentir
e de falar de si. Humildade é disponibilidade a descer de nós mesmos,
abaixar-se para os irmãos, é vontade de servir, e de servir por amor, não por
algum cálculo ou vantagem ou glória que possam advir para nós mesmos. Em nós
raramente ou nunca a humildade alcança esta forma pura, geralmente ela é
remédio, reação ao orgulho, antídoto ao pecado. Em nós, portanto, a humildade é
também uma virtude “negativa”, porque serve para “renegar” e a encobrir o que
há de errado em nós, ela comporta necessariamente admissão e confissão de
pecado, diversamente do que aconteceu com Jesus. Em nós, portanto, a humildade
apresenta aspectos de negação ou de despojamento, mas esses aspetos são
secundários e são devidos ao pecado. A humildade essencial é a que encontramos
em Jesus. A humildade em estado puro é o que se observa em Deus, na Trindade.
Deus é humildade! Deus é humilde porque da posição em que se encontra não pode
fazer outra coisa a não ser abaixar-se, descer; subir não pode, porque nada há
acima dele! Cada vez que Deus sai de si mesmo, faz algo ad extra e se dirige
ao homem faz um ato de humildade: a criação é um ato de humildade, a inspiração
da Escritura, acomodar-se a linguagem humana, é um ato de humildade,
Pentecostes – a “descida” do Espírito – é um ato de humildade. Cada vez que
Deus vem a nós e nos visita com sua graça e ele se torna condescendente e faz
atos de humildade. A água é, então, o melhor símbolo de humildade porque, da
posição em que esta, tende sempre a ir para baixo, descer, ocupar o lugar mais
baixo.
Deus é humildade: realmente esta é
uma das definições mais felizes de Deus. Mas então descobrimos talvez o último
fundamento da humildade, o “porquê” de ser necessário se humilhar: é para ser
“filhos do vosso Pai”, como dizia Jesus, é para se assemelhar a Deus, para
“aprender” do Pai, como se costuma dizer entre os homens dos filhos. Em outras
palavras, para que sua vida possa correr em nós e não outra.
Agora podemos nos colocar, de outro
ponto de vista, a pergunta: o que é a humildade? Ela é uma atitude para consigo
mesmo e com os outros ou é uma atitude em relação a Deus? A resposta é a
seguinte: uma e outra coisa junto! Aqui se descobre uma vez mais a insuspeita
parentela entre a humildade e caridade: também a caridade, ou o amor,
realiza-se em dos mandamentos estritamente unidos, como duas portas que se
abrem e se fecham junto: amar a Deus com todo coração e amar o próximo como a
si mesmos. O mesmo acontece com a humildade: a primeira humildade é ser humilde
diante de Deus, a segunda é semelhante a esta e é ser humilde com o próximo.
Um fruto da humildade é que o
humilde é “amado pelo homem e agradável a Deus”. A humildade nos torna amáveis também
aos homens. As pessoas gostam de quem é humilde, modesto, simples,
desinteressado. A humildade desarma as pessoas. Os homens não compreendem a
humildade, porém institivamente compreendem e amam quem é humilde, modesto,
simples e desinteressado. A humildade desarma; a melhor autodefesa não vale
tanto quanto o menor ato de humildade.
O Salmo 130 canta a paz do humilde: Senhor, meu coração não se enche de orgulho,
meu olhar não se levanta arrogante. Não procuro grandezas, nem coisas
superiores a mim. Ao contrário, mantenho a calma e sossego a minha alma, tal
uma criança no seio materno, assim esta minha alma em mim mesmo. Israel, põe
tua esperança no Senhor, agora e para sempre.
“O
verbo se faz carne", Raniero Cantalamessa.